O Benfica disse adeus ontem aos seus adeptos nesta edição da Liga 2008/2009, dando o golpe de misericórdia nos vizinhos Belenenses. A equipa encarnada fez um bom jogo, mesmo entrando a perder, dando sequência à boa vitória alcançada em Braga. Termina a Liga em grande forma, fazendo bons jogos e marcando muitos golos.
O derby de ontem ficará marcado por algumas despedidas. Em primeiro lugar a dos rivais de Belém, que pagaram com a descida de divisão os muitos erros cometidos durante a época. Erros desnecessários e que não podem ser compatíveis com a gestão de um clube com os pergaminhos dos Belenenses. Depois de uma excelente campanha liderada por Jorge Jesus, o Belém não poderia ter entregue o seu futebol às mãos de um sucateiro como Casimiro Mior, que juntou o verde-e-amarelo ao azul do Restelo e fez do Belém uma escola de samba. Fazemos votos para que o clube se (re)organize e regresse o quanto antes ao convívio com os maiores do futebol nacional. Um sinal de esperança no futuro: Rui Jorge. Se a estrutura dirigente apostar no talento do ex-lateral esquerdo, o clube e o futebol em geral terão muito a ganhar.
Segundo os jornais, Reys, Katso e Luizão também estarão de saída. O comportamento do central brasileiro no final do jogo também foi condizente com as propaladas notícias. O próximo mês nos dirá qual o destino, se Inglaterra, se a rectaguarda da formação da Luz novamente…
Contudo, mais indisfarçável que a dos demais foi a forma como Enrique Sanchéz Flores se despediu dos adeptos do Benfica. Se já desde a derrota no Funchal e o empate com o Trofense se anunciara a sua saída, imaginamos que este final de campeonato não tenha sido fácil. As notícias a anunciarem o fim do seu consulado, os artigos de opinião em seu desfavor escritos pelos mesmos que afirmavam que Quique era um bom treinador aquando a sua chegada, e as constantes manchetes de jornal a indicarem a sua sucessão por Jorge Jesus, só poderão ter transformado os últimos dias de Quique em Lisboa num autêntico purgatório. Ainda assim, o treinador montou uma estratégia para a batalha de Braga que reduziu o futebol atacante de Jesus a mero discurso e acertou com este as suas contas em silêncio, vencendo categoricamente.
E, afinal, será apenas Quique mais um treinador de futebol?
Afilhado de Alfredo Di Stéfano, este madrileno nasceu no seio de uma família ligada ao mundo do espéctaculo. Filho de Carmen e sobrinho de Lola Flores, cantoras de Flamenco, Quique cedo percebeu o que era estar sob as luzes da ribalta. Atingiu o seu apogeu na lateral do Real Madrid, mas foi em Valencia que acabou por se notabilizar e fixar residência, ajudando o clube local enquanto jogador durante dez anos, e mais tarde orientando-o por mais dois. Cedo mostrou não ser uma figura convencional, fugindo bastante à retórica habitual dos terinadores de futebol, fazendo por vezes as delícias dos jornalistas.
Como proveniente de uma realidade futebolística diferente, onde a bola convive entre os melhores artistas da modalidade, Quique Flores chegou ao Benfica pela mão de Rui Costa com a áurea de ser um bom treinador. Jovem, metódico, disciplinador, com a experiência de haver treinado equipas nas Ligas espanhola e dos Campeões, Quique era visto como o Homem-chave que faria a perfeita conexão entre Vieira e Rui Costa. Conseguiu trazer jogadores à partida considerados inimagináveis para o futebol português, como Aimar ou Suazo. Venceu o Nápoles e o Sporting no começo da época, e a equipa ganhou motivação. Parecia que tudo se conjugava a seu favor.
A eliminação precoce da Taça de Portugal em Matosinhos, antecida pela desastrosa campanha na UEFA onde a goleada de 5 – 1 com o Olimpiacos e a derrota caseira com os desconhecidos Metalist (!) começaram por apontar o caminho da porta dos fundos ao treinador espanhol. Face à constante impaciência que muito caracteriza os adeptos encarnados, Quique nunca perdeu a calma e soube sempre reagir perante o exterior. A sua imagem não se desgatou imediatamente perante os media.
Como facilmente se poderá concluir, Quique empresta ao futebol o lado cor-de-rosa que poucas vezes nele se encontra. O seu espírito afável e simpatia intrínsecos despertaram a atenção de outros sectores da actividade jornalística e o madrileno tornou-se uma vítima das gossip magazines portuguesas. Não terá sido com a maior aceitação que o clã Flores terá reagido ao ver a reportagem sobre os casos que Quique teve em Lisboa, como noticiaram a Caras e o Correio da Manhã.
A pergunta impõem-se: terá o treinador do Benfica contribuído para esta curiosidade à sua volta? Sim. Não apenas pela sua personalidade aberta que o mostra ao mundo como um homem interessante, mas também pela total disponibilidade para as solicitações de que foi alvo. Quique Flores é um treinador posh, que sabe o que é estar sobre as atenções e que não nega o seu contributo para a indústria do espectáculo. Será esta postura divergente dos superiores interesses do clube? Não nos parece. Até porque qualquer treinador que passe pelo clube da Luz será sempre alvo de assédio por parte do exterior. A diferença entre Quique e os demais é apenas uma questão de estilo.
Apesar de partir da aventura em Lisboa apenas com a Taça da Liga que Lucílio o ajudou a levantar, Quique deixará saudades. Prova disso foram os cartazes e tarjas de apoio à continuidade do espanhol no banco do Benfica. Fazendo jus à sua condição de homem com nível, o espanhol despediu-se dos adeptos de forma emocionada e agradeceu a oportunidade por ter treinado o Benfica. Quique Flores foi uma lufada de ar fresco no panorama dos treinadores da Liga nacional, num futebol em que a cátedra dá pelos nomes de Vieira, Loureiro ou Pinto. Um homem sereno, calmo, pouco intempestivo, que nos momentos difíceis não fraquejou face aos críticos. Poderá ter tido pouca sorte, poderá ter comitido alguns deslizes (como quando encostou David Luiz à esquerda e levou um banho de bola em Alvalade), poderá não ter sido devidamente apoiado, poderá ter encontrado muitos obstáculos e sai como mais um treinador que passou pelo Benfica sem sucesso. Encontrará a sua melhor sorte no seu país natal, seja num Bétis ou Atlético Madrid, porque a merece.
Portugal perde um gentleman. E o Benfica a oportunidade de dar sequência a um projecto. Buena suerte Quique!